sábado, 23 de setembro de 2017

Novos Franciscos

No coração da Amazônia, o tiro acerta o alvo. O corpo de Francisco vai ao chão, feito árvore tombada. Xapuri chora pelo líder seringueiro. “É o fim”, pensam seus algozes.

Os anos seguintes são de progresso. A ordem é não deixar uma árvore em pé. A floresta precisa dar lugar ao lucro.

Pouco tempo depois, o trabalho está quase completo. Resta somente uma seringueira, nascida intrigantemente no local exato onde Francisco caiu ferido.

Na hora marcada, as máquinas estão posicionadas. Dado o sinal, avançam em direção à árvore. Aos poucos, vai chegando uma gente do povo, que se coloca entre a seringueira e os tratores, para empatar a derrubada.

Mesmo sob ameaça, o povo não arreda o pé. Ouve-se um tiro e, no meio da multidão, um corpo cai. Feito látex a escorrer da árvore amazônica, o sangue do ferido toca o chão e, dali, se ergue outra imponente seringueira.

Perplexos, os jagunços voltam a atirar. E, a cada corpo que cai, nasce uma árvore. E de cada árvore, um novo Francisco. O que os algozes de Chico não sabiam é que balas não matam sonhos.


Viva! A floresta está viva.


* O conto ‘Novos Franciscos’ foi publicado na revista Marinatambalo (3ª ed., v. 2, set. 2017) e na antologia 'Do Nascimento ao Epitáfio'. Foi ainda selecionado pelo Concurso Literário Internacional “Natureza 2017-2018”.


Outros contos do mesmo autor: 
As moedas encontradas e o homem perdido
Obra-prima
O dia em que meus escritos já não eram meus
Olhar
Vermelho coração
Tráfico
Kitiama para sempre
Era Todo Ouvidos (ou O Ouvidor Real)

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